quarta-feira, 5 de abril de 2017

Um ciclo sem fim!

O meu primeiro carro foi um Ford Fiesta de 1998.

Foi-me oferecido pelo Pai Natal, quando eu ainda nem carta tinha. Esperei 3 meses para o poder usar, via-o todos os dias pela janela do meu quarto.

Um dia, recebi 2 amigas em casa, e resolvemos dar uma voltinha nele, só ao quarteirão. Demos a tal da volta, e ao estacionar, fiz mal as contas - os carros da instrução tinham direcção assistida, e a direcção deste era a braços - e raspei no BMW de um vizinho do prédio ao lado. Um daqueles BMW mais estimados que o cão da família, que saí da garagem ao domingo para ser polido de alto a baixo. Eu não tinha carta, e o carro ainda não tinha seguro. Saímos do carro, as 3 apavoradas, elas foram embora e eu subi para casa. A tremer. Fui à janela de 5 em 5 minutos,até que vi o senhor, com uma lanterna, a espreitar os danos. 

Vesti o meu casaco, desci as escadas, e num pranto disse-lhe "Fui eu que bati no seu carro! Mas por favor, não chame a Polícia!! Eu não tenho carta!!". Ele a esposa olharam para mim com ar de dó e alívio. O carro era tão estimadinho, que tinha a capota posta. Os danos foram apenas na capota - rasgou. A pintura e a estrutura do carro estavam intactas. Fizemos um acordo, e paguei uma capota nova com o meu dinheiro (trabalho desde que tinha 18 anos e uma semana). A minha mãe viu-me tão assustada, que nem teve coragem de me castigar ou repreender, ela percebeu que eu aprendi a lição. Acima de tudo, errei e aprendi.

Desenvolvi uma relação de amor com o meu fiesta. Era velhinho, nada moderno, Um dos vidros não abria, a direcção era a braços, e teve uma ruptura no tubo de escape que avisava toda a gente no raio de 5km que eu estava a passar. Não vos vou mentir, quando me despedi dele, chorei.

Veio um carro completamente diferente para as minhas mãos. Vidros e fechos eléctricos, direcção assistida, Mais espaço, mais conforto. Conduzi esse carro durante 10 anos. Foi o carro que me conduziu para a maternidade, que trouxe o meu filho para casa, que nos levou ao nosso casamento. Sofreu imenso nas minhas mãos. Já tinha a tinta toda a descascar, não tinha tampos de jantes nem antenas, porque mas roubaram. Tinha 2 batidas que nunca foram arranjadas, porque eu não tinha dinheiro. Em última instância, precisou de muitos cuidados que não lhe pude dar. Rezávamos muito ao Deus dos Calhambeques para não ficar pelo caminho. E agora que finalmente podíamos começar a tratar dele, deu o seu último suspiro. 

Quis o destino que eu precisasse de comprar um carro novo.
Quis o destino que a minha irmã, que está a viver fora do país, tivesse o seu primeiro carro à venda, cá em Portugal.
Quis o destino que fosse um Ford Fiesta de 1999.

É um carro velhinho. Não tem direcção assistida, nem fechos eléctricos. É um carro mais pequeno. Mas como me sinto bem a conduzi-lo. Sinto-me tão feliz!

Podia sentir que estava a andar para trás. O próximo passo seria comprar um carro família, certo? Errado. O próximo passo às vezes pode ter que ser para trás... antes de conseguir dar 3 para a frente. Não reclamo nem uma vez, não penso nem uma vez que tenho pouca sorte. Na nossa vida nada mudou. Temos um carro que anda. O Dinis vai na mesma cadeirinha, para os mesmos sítios. Cantamos as mesmas músicas pelo caminho. Somos uma família feliz com a sorte que temos. 

Sinto-me outra vez com 18 anos.
E vou ter os braços tonificados antes do Verão!

Já viram bem a sorte?